1998. No tempo em que os deficits de seis por cento não abriam Telejornais. No tempo em que dívida pública era tema de conversa de quem apresentasse sérios sinais de esquizofrenia. No tempo em que as greves, eram bem mais perto do fim-de-semana, logo, bem melhores mecanismos de luta pelo bem-estar... de quem as praticava note-se. No tempo de fracas imposições e fortes Exposições. Durante esse já longínquo mas saudoso certame, que mais não seja pelo booom cultural que gravitou à sua volta, estas duas entidades tiveram a ideia de “expor”, num único concerto, as suas afinidades. O concerto virou álbum. O álbum por sua vez, decidiu virar obra-prima. Sim. Estou deveras consciente da subjectividade de tal classificação. Mas é. Acreditem. E, como diria um bem famoso contestatário, na altura ainda desconhecedor destes grevistas modelos reivindicativos, próprios do decadente Estado de Direito Social, “bem aventurados sejam”, se essa vossa crença for espontânea. Mas já ele, à sua evangélica maneira, ia anunciando o fim de tudo. O álbum contém três músicas dos Clã, mais nove de Sérgio Godinho. Pelo meio ainda houve tempo, e principalmente belo discernimento, para um fabuloso cover de Piazzola. É como um livro que, do alto da prateleira da livraria e do fundo da sua bolorenta espera, encontra finalmente o leitor para quem foi escrito. É como o sapato que finalmente encontrou a sua, um pouco menos bolorenta esperemos, Cinderela. Mas neste caso ficamos sem saber quem é o pé e quem é o sapato. Servem como uma luva, um ao outro estes fulanos. Claro está que, para tamanhos contadores (ou cantadores) de histórias, urge a criação de post a condizer em sábias e pertinentes palavras. Mas imbuiu-me de conveniente humildade para tais devaneios. Além do mais, o senhor do balcão do café brada a sua fúria contra “estes chulos” de grevistas que, ao contrário dele, contam com os cifrões certinhos ao fim do mês e, ao contrário de mim, não escalonaram a folga semanal para dia de greve geral… Godinho é mestre na musicalidade da palavra. Hélder Gonçalves esmerou-se nos arranjos. A Manuela… bem… é a Manuela. O senhor do balcão continua a expor a sua raiva e a impor sobremaneira o seu agouro do Fim de Tudo. Eu, por minha vez, continuo apologista que as maiores teorias de antevisão do Fim de Tudo sempre se fizeram á sombra da máquina de café… ou de finos, dependendo do fim de que “tudo” se trate. Cada fim trás por sua vez um inicio… de um outro fim qualquer.
 
Excelente post! Esqueceste-te de uma coisa: "O Abraço."
Nota: São álbuns como este que ajudam a prolongar sensações de bem-estar.
Duas vozes inconfundíveis e autênticos génios da música - isso é indiscutível. Mas é engraçado constatar que, mesmo apesar de algumas letras mais tristes, a pujança, vivacidade e outra-coisa-qualquer-que-não-consigo-nom
Não concordas?